"Desde Adão e Eva todos somos exilados, refugiados, nómadas"

Alberto Manguel está em Lisboa para apresentar <em>Uma História da Curiosidade</em>.
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Quando viu a edição de Uma História da Curiosidade que a Tinta da China preparou - ontem lançada em Lisboa - ficou entusiasmado e elogiou logo o grafismo. Deixou o sudoeste de França, onde viveu 15 anos num antigo presbitério que tinha espaço para alojar a biblioteca, e traz queixas da burocracia, "o lado sombrio do cartesianismo". Alberto Manguel é escritor e ensaísta, com dezenas de livros publicados, mas talvez seja sobretudo um leitor. Um homem que vive entre personagens, lugares imaginados por escritores, e que repentinamente deixou de ter os livros à mão. Tão difícil é esta temporada que está a escrever um livro sobre o "empacotamento da biblioteca". Por agora, falamos de curiosidade.

Foi a curiosidade que o levou a ser quem é?

Certamente. A curiosidade é uma das nossa faculdades essenciais, é quase um atributo da nossa espécie para sobreviver. A curiosidade leva-nos além do mundo conhecido, faz-nos abrir as portas fechadas e fazer perguntas para levar mais longe os nossos conhecimentos. Fui sempre muito curioso mas só agora, com algum recuo, me apercebo de que percorri a minha biblioteca e o mundo a fazer perguntas.

É isso que nos torna humanos?

Exatamente. Quando deixamos de fazer perguntas enfraquecemos a nossa condição humana. O questionamento é o que mantém viva uma sociedade.

O que traz neste livro é a curiosidade sobre a própria curiosidade.

Sim. O pensamento humano permite-nos refletir sobre o pensamento. Somos animais autoconscientes, temos esta extraordinária possibilidade de andar em círculos em torno de um centro que somos nós. E é a curiosidade que nos permite fazê-lo.

Escreveu muito sobre a Odisseia, os clássicos. As questões são, no fundo, sempre as mesmas?

Num sentido sim, noutro sentido não. As questões de base são sempre as mesmas: Quem somos? Quais são as nossas responsabilidades, os nossos deveres? Como agimos? Como é o mundo?

São sempre as mesmas questões, mas as maneiras de as colocar são diferentes. A experiência que essas perguntas nos dão ao longo dos séculos e que colocamos em palavras, que guardamos na nossa biblioteca, muda a maneira de fazer as perguntas. Para fazer melhores perguntas. Beckett dizia que era preciso "tentar, falhar, falhar melhor". Este "melhor" é essencial porque mostra que as perguntas não estão fechadas sobre elas mesmas, paradas. Pelo contrário, podem ser melhores, diferentes, levar-nos mais longe ou voltar atrás, porque muitas vezes deixamos de lado alguns elementos das nossas perguntas.

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